quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Leituras


Os melhores livros temáticos de 2012

Não me cabe continuar a recomendar o acompanhamento diário do blog, todavia saibam que me sinto extremamente agradecido a todos, por me terem permitido ultrapassar largamente o conceito e os objetivos alcançados até agora. Principalmente porque se cumpriu por estes dias o 4º aniversário do Navios & Navegadores e sinto que ainda existe muito material para pesquisar, a justificar plenamente a sua divulgação.
Foi minha intenção nestes primeiros quatro anos do N&N, tentar fazer do blog uma biblioteca virtual em miniatura, onde todas as pessoas, directa ou indirectamente interessadas e que eventualmente pudessem ter vínculos à marinha mercante e à pesca longínqua, lograssem encontrar informações, que de alguma forma colaborasse através da imagem encontrar um ou outro navio, onde trabalharam ou viajaram, ou até mesmo descobrir referência a algum dos seus antepassados.
E como proposto previamente quero chamar a atenção para dois livros, ambos publicados no decorrer do ano que agora termina e cuja leitura recomendamos, pela excelência dos textos e pelo extraordinário interesse que a sua leitura desperta.



São obviamente dois livros de análise a duas áreas distintas; as companhias, o estado, os navios, a construção, o interesse económico para Portugal que teve o transporte das ramas de petróleo, as pessoas e as viagens. Tudo visto e apreciado pela visão conhecedora e critica do cap. Joaquim Ferreira da Silva. Sou de opinião que a publicação de um livro destes, em qualquer país do norte da Europa, seria por direito próprio um «best seller».
E acho que posso repetir-me quanto ao trabalho da jornalista Mónica Bello, que a partir da colaboração dum leque de pessoas cientificamente qualificadas para o efeito, relata apontamentos sobre um conjunto de naufrágios, no litoral do continente, nas ilhas adjacentes e no estrangeiro, mostrando imagens do mundo submerso onde habitam caravelas, naus e navios, do glorioso percurso marítimo navegado pelos portugueses ao redor do mundo. E muito mais...

sábado, 22 de dezembro de 2012

Boas festas


Tempo de Natal


Nesta quadra festiva aproveito para cumprimentar os amigos, os antigos e os novos navegantes, entrados recentemente como seguidores, que fazem o favor de apreciar o trabalho que gostosamente continuo a desenvolver no blog. Para todos envio votos de fé (sem resignação), paz e muita saúde. Lamento, porém, que esta mensagem não chegue a todos quanto gostaria, pelo menos enquanto for mantido o anúncio do abandono de navios e as respectivas tripulações continuarem a passar por enormes dificuldades, sem perspectiva de melhoria à vista.
Enfim, um grande abraço fraterno para todos e até sempre!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Navios da pesca do bacalhau


A campanha de 1945

O arrastão "Álvaro Martins Homem" à chegada ao porto de Leixões
Imagem Fotomar

Em meados do mês de Março a campanha já tinha sido iniciada pelos arrastões da S.N.A.B. “Álvaro Martins Homem” (1940/1983-1250/623T) e “João Corte Real” (1940/1974-1.250/623T), tendo ambos os navios sido classificados pelo primeiro grupo de navios a participar na pesca. Segundo informações recebidas de ambos os arrastões, chegaram notícias que a pesca correu de feição e que as tripulações se encontravam bem de saúde.
Entretanto, no mesmo período e já em Lisboa, em aprestos finais, achavam-se os arrastões da Empresa de Pesca de Aveiro “Santa Joana” (1936/1982-1.198-621T) e “Santa Princesa” (1930/1994-1.188/621T), que constituíram o segundo grupo de navios a sair com destino à Terra Nova.
Este ano a frota foi aumentada pela participação de diversos navios já construídos ou na fase final de construção, a saber: os lugres “Maria Frederico” (1944/1952-469/340T), “Inácio Cunha” (1945/1966-775/495T) e “Viriato” (1945/1963-625/399T) e pelos arrastões “João Álvares Fagundes” (1945/1965-1.270/657T) e “Pedro de Barcelos” (1945/1983-1.269/660T). Os últimos quatro navios eram os que ainda se encontravam em estaleiro, tendo sido lançados à água nos meses seguintes. Alguns destes arrastões efetuaram uma segunda campanha de pesca, que teve início no mês de Julho.
Regressou à pesca longínqua, depois de ter sido mantido durante algum tempo a operar no serviço comercial, o lugre “Senhora da Saúde” (1935/1952-356/272T) e da mesma forma integrou a frota o lugre “Paços de Brandão” (1934/1951-187-135T), após ter recebido considerável reparação, encontrando-se completamente transformado.
Apesar do aceitável número de unidades disponíveis, continuaram a ser construídos mais navios nos estaleiros da Gafanha e da Figueira da Foz. Foi feito o possível para que esses navios pudessem igualmente participar na campanha deste ano, mas o atraso na entrega dos motores encomendados no estrangeiro, só permitiram o seu lançamento à água ainda em 1945, mas tarde demais para ser possível a sua utilização. Outro dos navios que também não esteve disponível para navegar, foi o navio-motor “Comandante Tenreiro”, devido ao incêndio ocorrido no rio Douro, tendo obrigado à sua paralisação durante vários meses.
O lugre “Louzado” (1945/1953-224-149T) ex “Adele”, ex “Alcion”, após recente motorização, voltou aos bancos após ter recebido novo batismo, por troca de proprietário. Merecem ainda referência dois outros navios, os lugres “Novos Mares” (1938-1956-434/335T) e o “Groenlândia” (1935/1957-442/311T), que armaram num curto período de tempo, por terem efectuado viagens de comércio ao Brasil e à Argentina. Tendo em linha de conta os regressos em finais de Março, terão certamente conseguido acompanhar o resto da frota, que navegou para a Terra Nova no decorrer do mês de Abril.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Histórias de outros tempos


O direito de resposta…
3ª Parte

Foto de autor desconhecido, publicada por wikitravel.org

O sr. João José de Castro, muito digno e respeitado despachante oficial da cidade, fez publicar recentemente na imprensa o texto de uma sua carta, na qual procurava justificar o procedimento dos pilotos da barra de Viana do Castelo, por ocasião do aparecimento do vapor inglês que andava empregue no concerto do cabo submarino.
Enquanto jornalista, dizia o autor do texto «opto por não entrar na apreciação completa das razões apresentadas, para atenuar o procedimento dos pilotos. Quero mesmo supor e até acreditar que os factos se passaram conforme foram por ele narrados, mas o sr. Castro há-de concordar que servirem-se do telégrafo semafórico para dar avisos ao vapor, que pedia para comunicar com terra, era o mesmo que nada, porque S.Sª. bem sabe que a muito pequena distância da costa, os navios já não vêem a estação, pela péssima posição em que ela se encontra. E, sendo isto do conhecimento de todos os marítimos, sabem-no também os pilotos perfeitamente, que os sinais do semafórico não são vistos do mar, pelo que deviam ter procurado o vapor e não se limitarem a esperar que ele se aproximasse.
Demais, que necessidade havia de ser tripulada a lancha dos pilotos com 20 homens, que mal cabiam nela, e dos quais só uma pequena parte trabalhava com os remos? Segundo o regulamento dos pilotos, a lancha devia ser unicamente tripulada por oito homens aos remos e um ao leme, e, se ela levasse somente esta tripulação, teria podido muito bem chegar ao vapor, o que não conseguiu porque não pôde, pela aglomeração de gente inútil que ia a bordo.
Não quero nem devo atribuir a culpa do que se passou ao sr. Castro, cujo zelo e boa vontade são bem conhecidos na praça de Viana, mas sim ao péssimo serviço que o corpo de pilotos desde há muito presta e creio que continua a prestar, enquanto os respectivos capitães do porto não olharem seriamente para este importante assunto, a que estão ligados valiosos interesses, muitas vidas e valores consideráveis.
Já que falo da estação semafórica, faço questão de dizer do nenhum serviço que ela presta ao comércio marítimo. A posição da estação é a pior que se poderia determinar. Estabeleceram-na na base do forte da Roqueta, no castelo da barra e aí colocaram o respectivo mastro, de sorte que qualquer navio que passa no mar, mesmo junto à costa, muito dificilmente os pode ver e consequentemente distinguir os sinais, porque tanto aquele como estes se confundem com um fundo escuro formado em primeiro lugar pela torre da Roqueta, e em segundo e mais extenso pelos montes de Santa Luzia e anexos. O resultado é que nem o mastro nem as bandeiras conseguem ser vistas e até mesmo mal se distingue do mar a parte do castelo onde aquele está colocado.
Em tempos, muitos comerciantes da cidade e armadores de navios se fizerem representar junto do governo, pedindo que fossem pintadas com cintas brancas aquela parte do castelo, a fim de poder mais facilmente ser marcada do mar a sua posição, mas parece que o ministério da guerra se opôs a isso, com os fúteis pretextos que de forma geral emprega em todos os assuntos da sua dependência. Posso por isso afirmar, que o castelo da barra, conquanto esteja bem conservado e seja um dos melhores da costa não é de tal natureza, que possa resistir por muitas horas ao fogo de qualquer navio couraçado e a peças de grosso calibre.
A remoção, pois, da estação semafórica desta cidade para local mais apropriado é de urgente necessidade, porque assim como está nada vale e nada acrescenta à melhoria desejada e essencial ao futuro do comércio marítimo da praça vianense.»

Escolhi esta história pelo retrato falado duma época não muito distante. Segundo a visão do jornalista, que não foi acossado por novo contraditório, compreende-se a sua indignação, pelas diversas situações de indiferença, muito peculiares no país. Beliscou os pilotos, a autoridade marítima através dos capitães do porto, seus principais responsáveis, a localização e o próprio serviço disponibilizado pela estação semafórica e ousou, com bastante atrevimento, atacar o governo e o ministério da guerra, cuja incompetência foi colocada a níveis de completa inutilidade. Só ficaram do lado de fora deste expressivo muro de lamentações, a completar uma brilhante gravura escrita, o muito digno despachante, os comerciantes e os armadores de navios. Enfim, o melhor de Viana e os interesses da cidade, que intransigentemente decidiu defender!...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Histórias de outros tempos


O direito de resposta…
2ª Parte

Barra do porto de Viana do Castelo, imagem actual
Foto de autor desconhecido - «wordpress.com»

As insinuações que foram divulgadas publicamente, quanto à ineficácia da pilotagem no porto de Viana do Castelo, são plenamente injustas e inexactas e não devem ser deixadas passar em claro e sem reparo, porque há testemunhos presenciais de tudo o que se passou na manhã de 7 de Novembro de 1873, por ocasião de aparecer ao norte da barra um vapor com bandeira encarnada à proa, encontrando-se todos os pilotos disponíveis para o desempenho das suas missões.
Numa carta assinada por João José de Castro, datada de Viana a 20 de Novembro, nela refere discordar dos termos relatados previamente, passando a comentar com rigor a ocorrência, com o seguinte teor:
«Aparecendo ao norte da barra um vapor com bandeira encarnada à proa, fui indagado pelos pilotos se havia alguma previsão de chegada de algum vapor, destinado àquela praça. Como nada constasse a esse respeito, foi-lhes transmitida uma resposta negativa, mas ainda assim dirigi-me à estação semafórica, onde se encontravam alguns pilotos. Confirmada a existência de bandeira vermelha na proa do vapor, foi perguntado aos pilotos o que tencionavam fazer, ao que me foi dito que iriam içar a bandeira de chamar à barra, aguardar a vinda do navio mais para sul e fazer sair ao seu encontro a respectiva catraia da pilotagem.
Na dúvida de saber se o sinal transmitido pela bandeira de «chamar à barra» tinha sido entendido, foi nessa ocasião solicitado ao sr. Conceição, digno encarregado da estação, para que içasse os sinais do novo código (que, segundo o respectivo tratado internacional, devem trazer todos os navios de longo curso), indicando ao vapor que devia seguir para sul, onde estaria a esperá-lo a catraia dos pilotos.
Para que a indicação feita fosse religiosamente cumprida, foi aconselhado aos pilotos para fazerem sair sem demora uma catraia devidamente tripulada, o que foi feito de imediato, indo a catraia tripulada por vinte e tantas pessoas, entre as quais me incluo, pois decidi acompanhá-los na eventualidade de ser necessário um interprete, até 2 milhas ao mar da barra, levando arvorada numa vara uma bandeira encarnada, a fim de bordo do dito vapor podermos ser vistos. E decerto viram-nos, porém, quanto mais nos dirigíamos na sua direcção, mais o vapor se afastava para sudoeste, pelo que analisada a situação, e devido ao mar de vagalhão e correnteza de água ao norte, entendi juntamente com os pilotos, que, para se evitar alguma desgraça era melhor voltarmos para terra, porque o vapor não precisava de nada, nem se importou connosco, caso contrário teria içado as bandeiras dos sinais do novo código e respondia para a estação semafórica.
Da mesma forma podia ter aproado na direcção da catraia, ou aproximava-se mais da barra, pois ainda que fosse de 800 toneladas ou até mesmo se fosse o “Great Eastern”, chegava-se à barra como fazem os vapores-paquetes sem perigo algum; mas não, este vapor desprezou os sinais da estação semafórica e os da catraia, e quis assim decerto fazer o mesmo que ele ou outro da mesma companhia fez em frente ao forte da Ínsua de Caminha neste ano.
Foram vinte ou vinte e tantas pessoas na catraia, porque, estando o mar agitado e não tendo saído os pescadores para o mar, apareceu por isso toda aquela tripulação, pois que, quando há pescaria, é preciso andar a pedir a uns e a outros para guarnecerem as catraias dos pilotos, isto em razão do comércio da cidade ainda não ter podido conseguir uma tripulação permanente para duas catraias a usar em casos idênticos.
O serviço foi remunerado unicamente por mim, porque eles tripulantes e pilotos nenhuma recompensa podiam esperar, mas entendo que, dando-lhes uma gratificação, fazia um serviço ao porto (porque quem trabalha, quer que se lhe pague), e foi como um estímulo para que em situações semelhantes fossem igualmente solícitos e isto lhes servisse de incentivo. Eis pois reposta a verdade como as coisas se passaram e não como o boato que corre, e, pelo que damos a apreciar, os pilotos cumpriram o dever do seu cargo, sendo por esse motivo injustamente sentenciados».

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Histórias de outros tempos


O direito de resposta!…
1ª Parte

A barra do porto de Viana, imagem actual
Foto «olhares.sapo.pt»

Pescadores de Esposende em finais de Outubro de 1873, arrancaram e trouxeram para terra uma das boias, que sinalizam o cabo submarino que liga Vigo com a Inglaterra e que havia sido colocado a cerca de 4 milhas da costa. Quer se tivesse tratado de uma atitude irreflectida, propositada ou provocatória por parte dos pescadores, para o governo, logo que teve conhecimento da ocorrência, deu rigorosas instruções para que fosse aberto um processo judicial contra os tais pescadores.
A companhia dos cabos submarinos, tendo também conhecimento do facto, mandou sair de Lisboa um dos seus vapores, a fim de proceder à competente reparação, mas o serviço foi retardado, por motivo do temporal que fazia à época, não deixando aproximar-se da costa aquele vapor, principalmente por causa da proximidade com os “Cavalos de Fão”, grupo de extensos rochedos que seguem o litoral naquele ponto.
Passado uns dias lá apareceu o tal vapor, que se aproximou da barra de Viana do Castelo, trazendo sinal que pretendia comunicar com a terra. Parece que terá navegado por muito tempo, ao largo da barra, mas ninguém lhe foi a bordo! Os pilotos tripularam uma das lanchas com 20 pessoas e 8 remos, duas dos quais, segundo constou, partiram logo à saída da barra, limitando o seu serviço até chegar adiante do «Lago», voltando para as suas casas!
O vapor, como ninguém acudisse aos sinais, apesar do mar o permitir, meteu-se ao mar, procurando abrigo da ondulação ao largo. O navio que apresentava ser da ordem das 800 toneladas, não podia aproximar-se demasiado de terra, mas apesar dessa contrariedade, tudo indica que os pilotos entendiam que ele é que devia vir à fala, mantendo-se à espera dele próximo da barra! Tudo isto é incrível, pois mostra o péssimo serviço de pilotagem que existe no porto de Viana do Castelo, a exigir pronto e enérgico remédio.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sobre a pesca do bacalhau


Lisboa, 1912

Servindo-nos dos quadros aqui presentes, podemos constatar do sucesso das pescarias efectuadas pelos navios portugueses na Terra Nova, muito embora a informação disponibilizada abaixo esteja apenas relacionada com os denominados navios da praça de Lisboa. A notícia que refere as capturas foi publicada no jornal "Comercio do Porto", no dia 11 de Janeiro de 1913, seguramente após contabilizadas as pesagens do peixe descarregado.


Quando identifico navios denominados de Lisboa, refiro-me aos veleiros da frota com armamento no porto da capital. A intenção visa evitar confundi-los com muitos outros navios também matriculados na mesma capitania, contudo por decisão dos seus proprietários, optaram por fazer armamento no porto da Figueira da Foz, tal como aconteceu com os "Júlias", por exemplo.


Mesmo assim, no quadro acima, em vez de dez encontro treze navios da praça de Lisboa, que podem perfeitamente ter participado na campanha de 1912. À distancia de cem anos, se a notícia estiver correcta, revela-se tarefa muito difícil perceber quais os navios ausentes da pesca, bem como uma ou outra informação omitida, que seguramente devia merecer justificado destaque. Ainda relacionado com a lista acima publicada com os navios bacalhoeiros de Lisboa, verifica-se que o lugre "Terra Nova" não participou na campanha de 1911, por se encontrar ainda em fase de construção.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Pensei que já tinha visto tudo…


A notícia do dia

O “bacalhau” – Imagem publicada no blog “Os meus sabores”

Realmente devo ter sonhado que já tinha visto tudo, mas afinal não vi! A notícia que hoje saiu publicada nas páginas do “Jornal de Notícias” e que abaixo transcrevo deu-me volta ao estômago, manhã cedo, logo ao pequeno-almoço, como segue:
«Um grupo de bacalhaus vivos enviados para o primeiro aquário português dedicado a este peixe chegou, segunda-feira, morto a Ílhavo, depois de todos os peixes terem ficado congelados durante o transporte. A Câmara de Ílhavo garante que uma nova remessa chegará a tempo da inauguração dia 16 de dezembro.
As três dezenas de bacalhaus juvenis, que iriam dar vida ao novo aquário do Museu Marítimo de Ílhavo, foram fornecidos pelo Museu de Aalesunds, na Noruega. Os peixes foram transportados de avião para Lisboa, na segunda-feira, tendo seguido depois por estrada até Ílhavo.
À chegada ao município conhecido como a "Capital Portuguesa do Bacalhau", após a abertura das caixas de transporte, verificou-se que os peixes estavam envoltos em blocos de gelo.
Fonte da autarquia disse à agência Lusa que a empresa responsável pelo serviço de transporte está a apurar as responsabilidades no caso, assegurando que se mantém sem alteração a data de inauguração do aquário de bacalhaus - "em data a anunciar chegarão mais bacalhaus, a tempo da inauguração do aquário", adiantou.
O aquário dos bacalhaus custou cerca de 2,8 milhões de euros, 85% dos quais comparticipados pelo Programa Operacional da Região Centro - Mais Centro. O novo edifício desenvolve-se com ligação física direta ao atual edifício do Museu municipal e ao edifício do Centro de Investigação e Empreendedorismo do Mar, contemplando uma área para instalação do aquário para bacalhaus, uma área social e também uma zona dedicada às reservas do Museu.
O aquário, que corresponde a um prédio de três andares, irá acolher 150 bacalhaus de diferentes tamanhos e vegetação marinha, que podem ser observados à superfície e de diferentes ângulos, em espiral.» 
Inacreditável!...
Devo dizer que faço parte do grupo de pessoas que adoraram a ideia de ser anexado ao espaço do Museu Marítimo de Ílhavo um aquário com bacalhaus. Quando o Engº. Ribau Esteves deu a conhecer esta nova estrutura, aquando da sessão solene onde foram referidas as obras de aumento do museu, apercebi-me do interesse que o projeto do aquário podia vir a ter, dando a conhecer à população nacional e estrangeira que nos visita, um dos peixes cuja excelente utilização gastronómica nos habituou a vê-lo às postas, seco e sem cabeça.
Porém, nunca me ocorreu que pudesse vir a acontecer uma situação de pura negligência, levando os peixes a morrerem por congelamento, durante a viagem desde o museu norueguês até Ílhavo. Mais do que exigir responsabilidade pelo dinheiro gasto em vão, face à incúria e incompetência dos transportadores, deviam os mesmos ser severamente penalizados pela falta de aptidão adequada a um transporte de seres vivos, quando supostamente deveriam ter capacidade e conhecimentos para o realizar.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Sobre a pesca do bacalhau em 1930


Prós e contras
3ª Parte

O lugre "Hortense", de Lisboa
Outro dos navios presentes na campanha de 1930

Depois dos primeiros episódios em que arriscamos clarificar os pontos divergentes, relativamente à crise instalada na pesca longínqua, já no início de Fevereiro há um agravar do conflito por parte dos armadores, face à intransigente indisponibilidade em aceitar os aumentos dos salários, percentagens e adiantamentos de uso comum, entretanto propostos, que quase anularam a campanha desse ano.
A firma Testa & Cunhas, Lda., uma das mais importantes de Aveiro, esteve na vanguarda da decisão para suspender as negociações com os pescadores. Esta posição foi então seguida pelos outros armadores, comungando da ideia de manter os navios amarrados na ria, porque a ultima safra causou a quase todas as empresas graves prejuízos, não podendo elas, nestas circunstâncias, dispor das quantias necessárias para acudir a todas as eventualidades, tais como a incerteza de poder acontecer uma nova campanha igualmente ruinosa.
Mais grave ainda, o bacalhau não estava a sair dos armazéns e a ser distribuído no mercado ao ritmo desejado, por ser pouco e obviamente pela impossibilidade de ter uma comercialização a preços convidativos. Afigurava-se uma crise violenta, com perdas significativas para o país e armadores, que afectaria de igual modo os pescadores, que ficavam sem recursos para o seu sustento e o das suas famílias.
Entretanto, por proposta de um importante armador de Lisboa, foi conseguido um acordo para a matrícula de pescadores, obedecendo ao princípio de pagamento e percentagens, nas seguintes condições:
Soldada fixa: Esc. 2.500$00 – Matrícula: Esc. 1.000$00 – Embarque: Esc. 1.000$00. Percentagens: De 25 a 50 quintais, Esc. 20$00; de 51 a 100 quintais, Esc. 30$00; mais de 100 quintais, Esc. 50$00.
Pescadores de emprego, mais salgadores: Até meio carregamento, Esc. 200$00; idem, carregamento completo, Esc. 400$00. Escaladores: Até meio carregamento, Esc. 100$00; idem, carregamento completo, Esc. 200$00.
Uma vez afastadas as exigências por parte dos pescadores, previa-se que também os armadores pudessem transigir até onde as circunstâncias o permitisse, sem quebra dos princípios estabelecidos colectivamente.
Como a lei determinava que as matriculas teriam de ficar concretizadas no final de Fevereiro, após alargamento ao prazo inicialmente previsto, os navios e pescadores que até essa data não tivessem efectuado a respectiva inscrição, levaria a que os navios ficassem irremediavelmente amarrados, deixando por sua vez os pescadores sem trabalho em terra.
Num dos dias que se seguiram, teve lugar na Fuzeta uma assembleia de pescadores onde foi denunciado, que o tal armador de Lisboa supostamente bem-intencionado, não existe. Um boato tinha sido posto a circular, naturalmente bem aceite pela imprensa, que o publicou, na perspectiva que algum armador furasse o estabelecido nas reuniões da Associação e abrisse um precedente, a ser posteriormente aceite pelos demais armadores. Em vão!...
Sem alternativas e sujeitos às condições propostas pelos armadores, os pescadores vencidos pelas necessidades, pelo medo de futuras represálias e até coagidos pelas próprias famílias, face ao receio mais que provável de viver na miséria, meteram pés ao caminho e de norte a sul acertaram as matrículas legalizadas nas capitanias. Os navios e as tripulações saíram para o mar a partir do mês de Abril, ultrapassados os dias de crise. Pela última vez os navios fixaram-se a pescar exclusivamente nos bancos da Terra Nova, numa safra ainda pouco satisfatória.
No ano seguinte, em 1931, toda a prática de pesca iria ser alterada, com os pequenos barcos de madeira da frota nacional a navegar mais para norte, entre enormes ilhas de gelo. Só a coragem e ousadia de uns poucos levou à descoberta de novos cardumes e melhores pescarias, nos distantes bancos da Gronelândia.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Sobre a pesca do bacalhau em 1930


Prós e contras
2ª Parte

A escuna "Creoula", de Lisboa
Também presente na campanha de 1930

Depois da assembleia geral que teve lugar na Afurada, no dia 9 de Janeiro, cujas resoluções deliberadas foram aprovadas por um largo número de pescadores, conforme exposto anteriormente, reuniram-se os armadores, dando voz à respectiva Associação, com sede em Aveiro, no sentido de esclarecer todos os interessados na pesca, fez publico no dia 21 de Janeiro, das várias determinações da Comissão Permanente de Estudo da Pesca do Bacalhau relativas às matriculas, que são as seguintes:
Art. 1º - Todos os navios de vela nacionais que se destinam à pesca do bacalhau nos Bancos da Terra Nova, são obrigados a matricular o seu pessoal e a encerrar definitivamente as suas matrículas até ao dia 15 de Janeiro de cada ano, sem o que não será autorizado o seu despacho nas Capitanias do Continente e Ilhas Adjacentes.
U. 1º - As matrículas definitivas do pessoal das Ilhas Adjacentes poderão efetuar-se por pessoa que representa o capitão, por procuração até 30 dias depois da data indicada no corpo deste artigo.
U. 2º - No ano de 1930 poderão as datas acima mencionadas serem prorrogadas por mais 15 dias.
U. 3º - Depois das datas anteriormente fixadas, só serão permitidas substituições do pessoal da matrícula, por motivo de doença ou de força maior, quando devidamente justificadas, perante a Capitania do porto, se por esta for aceite.
U. 4º - Em diploma especial será regulada a maneira de se fazer a inspeção médica.
Art. 2º - Todos os navios de que trata o art. 1º deste decreto, são obrigados a matricular em todas as suas viagens, um número de verdes nunca inferior a 10 por cento do total dos pescadores matriculados.
Estas disposições têm, não só em vista proporcionar forma de os navios saírem mais cedo para a pesca, como ainda de poder seguir-se o principio estabelecido no art. 12º do Decreto 13.441 pelo qual os pescadores devem preferir o trabalho por percentagem, ou seja da pesca feita por cada um.
A Associação dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau, de acordo com todos os seus sócios entende que devia ser modificada a orientação das matriculas, substituindo-a por uma parte fixa e outra por percentagem, dando assim a compensação a quem quer trabalhar, pelo que ainda de comum acordo fixaram a seguinte tabela:
Soldada fixa: Esc. 2.000$00
Percentagem: De 1 a 50 quintais verdes (por cada quintal) Esc. 20$00; de 50 a 100 quintais Esc. 30$00; de 100 quintais para cima Esc. 50$00; aos salgadores, mais Esc. 200$00 e aos escaladores, mais Esc. 150$00.
Como a determinação agora feita pela Comissão marca até ao dia 30 de Janeiro, a ultima data em que as matriculas se podem efectuar, a Associação recomenda a todos os interessados para que deliberem o que entenderem de melhor dentro do prazo indicado, porque se até essa data as matriculas não estiverem encerradas, os armadores amarrarão os seus navios, como já ficou determinado.
Provada a existência dum vigoroso braço de ferro entre armadores e pescadores, os proprietários dos navios decidiram-se por reunir no dia 27 de Janeiro, em Aveiro, na sede da respectiva Associação, tendo decidido, por unanimidade, suspender os trabalhos preparatórios nos seus navios e desistir, assim, de armar para a próxima companha, em virtude dos grandes prejuízos sofridos nos dois últimos anos e da intransigência dos pescadores, que se recusam a aceitar as condições de matricula já oferecidas.
José Maria da Silva, Presidente da Associação em exercício, opina que as condições propostas tinham em vista remunerar o pescador com salários proporcionais ao esforço de cada um, estabelecendo percentagens progressivas a partir do primeiro quintal de peixe capturado, além da soldada fixa de dois contos.
... continua …

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Sobre a pesca do bacalhau em 1930


Prós e Contras
1ª Parte

O lugre "Júlia Quarto", da Figueira da Foz
Um dos navios presentes na campanha de 1930

Quando escrevo sobre a pesca do bacalhau, fico sempre com receio de me estar a repetir, muito embora a presente situação concerne mais directamente sobre a actividade laboral. Devo começar por lembrar que o ano de 1930 encerra um capítulo de pesca nos bancos da Terra Nova, já que parte da frota de pesca a partir de 1931 começou igualmente a viajar até aos bancos na Gronelândia, devido à escassez de peixe nos habituais bancos onde se realizavam as capturas, verificada nos anos anteriores.
Nesse ano, seguiram para os bancos 2 navios de Viana, 10 do Porto, 17 de Aveiro, 8 da Figueira e 6 de Lisboa. O navio mais feliz, por correspondência à melhor captura foi o lugre “Bretanha”, de Aveiro, que registou oficialmente cerca de 3.090 quintais de peixe. Todos os outros navios pescaram consideravelmente menos, ficando o lugre-escuna “Santiago” da Figueira no fim da lista, após registar apenas cerca de 530 quintais de bacalhau.
Como não podia deixar de ser, a falta de peixe traduziu-se sistematicamente em falta de dinheiro, para os pescadores face aos contratos vigentes e obviamente aos armadores, porque o valor arrecadado na pesca não cumpria os mínimos exigíveis para fazer face às despesas. Estes episódios criaram diversas contendas entre pescadores e armadores, que previsivelmente terminaram no Ministério da Marinha, cujos responsáveis foram chamados logo no princípio do ano a arbitrar o conflito.
O assunto foi devidamente estudado, com o fim de, por diploma legal, ser aperfeiçoado o salário das tripulações, sendo deliberado que os armadores teriam de pagar uma quantia fixa, e outra parte variável, como percentagem derivada do produto da pesca, devendo ambos os valores serem previamente acordados e declarados nas capitanias, aquando da respectiva matrícula.
Ficou igualmente determinado, ser expressamente proibido aos pescadores denunciar o acordo, depois de encerradas as matriculas, ou, alterar por qualquer processo os valores em causa, sob pena do facto ser considerado como desobediência qualificada, e como tal ficar sujeito às penas cominadas no Código Penal.
Após esta decisão, que não deixou margem de manobra, tentaram os pescadores conseguir através do Ministério melhores condições de trabalho, reunindo para esse efeito na Afurada, em Vila Nova de Gaia,  em assembleia geral, tendo por largo consenso resolvido o seguinte:
a) Que a partida dos navios para os bancos da Terra Nova, indicada aos armadores, tivesse lugar a partir do dia 1 de Maio em diante. O regresso, em função do produto da pesca, deveria ser iniciado a partir do dia 30 de Outubro;
b) Que os salários e as percentagens sejam as mesmas dos anos anteriores;
c) Que se proceda a rigorosa vistoria aos navios a seguir para a pesca, apetrechando-os de todos os requisitos, no sentido de se evitarem desastres;
d) Que seja garantido, em caso de desastre, a devida assistência às respectivas famílias;
e) Que, em virtude das marés vivas, que impedem a entrada dos navios nas barras de Aveiro, Viana do Castelo e Figueira da Foz, sejam obrigados os capitães dos navios destas praças a facilitar o desembarque da tripulação nos portos mais próximos;
f) Que os armadores sejam obrigados a fornecer devidamente os navios dos mantimentos necessários.
… continua …

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Mentirinhas


A construção do lugre-patacho “Gazela Primeiro”


Mais uma vez volto a pegar neste assunto, porque não me canso de investigar a verdade sobre a data e o local de construção do “Gazela Primeiro”. Desta feita recorro aos detalhes no Certificado do Registo de Propriedade deste navio, emitida pela capitania do porto de Lisboa, em 15 de Abril de 1939, cujo original se encontra no Museu Marítimo de Ílhavo e do qual guardo uma cópia, que abaixo transcrevo, como segue:
 

Em função do que se encontra referido no respectivo certificado, parece não deixar dúvidas que o navio foi mesmo construído em Cacilhas, por J.A. Sampaio, durante o ano de 1883. Só que a realidade aponta noutra direcção!
Reconheço ser difícil, senão impossível, encontrar referências ao navio, nos mapas de entradas e saídas de navios no porto de Lisboa, que se encontram publicados nos jornais da época, bem como nos Diários do Governo: explicaram-me que os navios da pesca eram ignorados, porque na maior parte dos casos havia diversos movimentos diários, daí que tal não se justificava.
Mas quando se trata do porto da Horta, a situação era completamente diferente. Consultados os registos relativos aos anos de 1882 e 1883, cujas cópias também já estão em meu poder, constato o seguinte:
Que o navio entrou no porto açoriano a 12 de Março de 1882, procedente da ilha de S. Miguel, em lastro, em 3 dias de viagem. Estava classificado como patacho e transportava 3 passageiros. Apresentava-se com uma arqueação de 162 toneladas de registo bruto e tinha uma equipagem composta por 6 tripulantes, incluindo o capitão Jacinto Silveira Leal.
Regressou ainda no mesmo ano ao porto da Horta, no dia 7 de Julho, novamente procedente da ilha de S. Miguel, em 6 dias de viagem. O navio transportava 90 barris de azeite de baleia, mas agora com 24 tripulantes, ainda sob o comando do capitão Jacinto Silveira Leal.
Desde logo podem tirar-se duas conclusões destes registos:
Primeiro, o navio já existia antes de ter sido construído; segundo, o navio empregava 18 pescadores necessários ao serviço da pesca da baleia.
Já em 1883, o ano a que deveria corresponder a sua construção, supostamente com os trabalhos iniciados em Abril, no estaleiro em Cacilhas, conforme indicação nas páginas dos registos do Bureau Veritas de 1895, verifica-se que o navio voltou a entrar no porto da Horta, no dia 17 de Março, procedente de Lisboa, com carga diversa, em 11 dias de viagem. Nesta derrota o navio, que ainda mantinha a mesma arqueação, i.e. 162 toneladas de registo bruto, utilizava uma equipagem composta por 7 tripulantes, tendo simultaneamente transportado da capital para os Açores 180 passageiros.
Numa segunda escala ao porto da Horta, no dia 11 de Setembro, o navio apresentou-se procedente da ilha das Flores e da pesca, em 94 dias de viagem, transportando 95 barris de azeite de baleia. Desta feita o navio navegava com uma equipagem de 23 tripulantes, sob o comando do capitão Leal, conduzindo ainda 2 passageiros. A partir desta data a arqueação do navio encontra-se aumentada para 180 toneladas de registo bruto, tendo saído do porto no dia seguinte, para continuar a operar na pesca da baleia.
Nesta altura deve ser igualmente analisada a informação disponibilizada:
Partindo do pressuposto que a construção ou reparação efectuada em Cacilhas, teve início a 11 de Abril e tendo chegado à Horta a 11 de Setembro, decorreram entretanto 153 dias, dos quais 94 foram passados no mar. Isto equivale a dizer que, ou o navio foi construído no espaço de 2 meses, o que não é viável, ou é uma saborosa mentirinha, que visou muito simplesmente posicionar o navio na pesca do bacalhau, a partir de 1897, pagando ao Estado taxas de valor reduzido sobre o pescado.
Não me engano se disser que o lugre “Hortense” já se encontrava a pescar bacalhau em 1883, aquando das primeiras experiências dos Bensaúde, que contemplavam a seca do pescado na ilha do Faial, mas enganei-me quando antecipei que o navio pudesse ter alterado a mastreação em Cacilhas, passando de escuna a patacho. Afinal essa transformação é muito anterior, em data por verificar, pelo que na melhor das hipóteses aceito a indicação do Bureau Veritas, relativamente à substituição de madeiras a bordo, eventualmente ainda da construção original, por outras de excelente qualidade vindas do Brasil.

sábado, 17 de novembro de 2012

Dia nacional do mar


Comentário

2º Tenente Oliveira e Carmo
Imagem Wikipedia

A exemplo das comemorações do Dia Nacional do Mar, celebrado nesta data no Museu Marítimo de Ílhavo e que serviu para atribuir o prémio Octávio Lixa Filgueiras, aos candidatos que apresentaram trabalhos de teor marítimo, seguindo-se a inauguração de uma exposição sobre “Paquetes Portugueses”, aproveito a oportunidade para fazer referência aos comentários jocosos do comediante Bruno Nogueira, através da antena da T.S.F., no passado dia 2 do corrente mês, sobre os navios afundados no Algarve e ainda sobre a pessoa do distinto 2º Tenente da Armada, sr. Jorge Manuel Catalão de Oliveira e Carmo.
No meu caso, em clara oposição à posição tomada por diversas individualidades, algumas das quais a merecer toda a minha admiração, opto por não insultar o sr. Bruno Nogueira, porque sentir-me-ia compelido a mais tarde, ou mais cedo, ter de insultar a maior parte da população portuguesa. Isto prende-se ao facto de ter noção do desconhecimento, ignorância ou desinteresse geral dos portugueses pelos assuntos do mar, quer sejam militares ou civis, permitindo a construção de piadas de gosto duvidoso, a rasar o insulto gratuito, quando uma breve leitura sobre o nome Oliveira e Carmo na Wikipedia, evitaria a insana comparação dum brilhante oficial de Marinha, com o banqueiro Oliveira e Costa.
Entendo e aceito o direito que Bruno Nogueira tem para não gostar da “Popota”, e de se estar a divertir com o brinquedo. Como tudo na vida, são gostos!...
Todavia, antecipo como torpe, a preguiça de não ter averiguado melhor o porquê da escolha dos nomes, que foram seleccionados para baptizar as duas unidades da marinha portuguesa, referidas no texto. É que, por essa mesma preguiça, ou negligência, nego-lhe o direito de tentar vulgarizar essas mesmas escolhas, e simultaneamente, denegrir a extraordinária figura e prestígio de um dos mais respeitados heróis nacionais.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Divulgação


Honra e Dever
Uma biografia do Cmdte. Alpoim Calvão


Garantidamente uma historia de vida. de conquistas, de aventuras, mas muito principalmente de um líder, no comando de milhares de rapazes, que se fizeram homens, nos heróicos Fuzileiros da Marinha que nos representa.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Navios de cruzeiros em Leixões


O “Saga Ruby”

O navio "Saga Ruby" em Leixões - Foto de José Modesto

Este foi o navio que efectuou a última escala em Leixões. Entrou no porto, como normalmente acontece, pelas sete horas da manhã, do passado dia 8 de Novembro, atracando no cais norte da doca nº1, prometendo à chegada cumprir uma visita dentro da maior regularidade. Mas infelizmente, para o ainda mais bonito dos navios que nos visita – é essa pelo menos a minha opinião -, esta vinda a Leixões teve desde logo um mau pronuncio, motivado por súbita doença num dos seus passageiros. Com efeito, um súbdito inglês, de 90 anos de idade, havia sofrido horas antes um ataque cardíaco, que obrigou ao seu imediato desembarque, tendo dado entrada supostamente ainda com vida no Hospital Pedro Hispano, de Matosinhos, mas onde veio lamentavelmente a falecer.
Apesar de este ser um episódio compreensível, que admitimos possa acontecer em qualquer lugar e mesmo não se tratando de pessoa com idade avançada, o inesperado ocorreu quando pelas quatro horas da tarde, hora agendada para a saída do navio, com destino a Lisboa, a máquina principal recusou-se a trabalhar, devendo ter provocado algumas situações de embaraço, já que quando se trata do transporte de passageiros, há normalmente horários rigorosos a cumprir.
A empresa armadora providenciou imediatamente no sentido de fazer chegar a Leixões peças sobressalentes, de origem inglesa e japonesa, para ser realizada a indispensável reparação, efectuada em porto nos dias seguintes, pela equipa de competentes mecânicos a bordo do navio, supervisionada por um técnico, vindo de Inglaterra com esse objectivo.
É óbvio que seria impensável supor se o navio iria ter condições para continuar a viagem, com os passageiros a bordo, pelo que como também normalmente acontece a Saga Cruises, na sua qualidade de empresa proprietária do navio, viu-se na contingência de fazer regressar a Inglaterra os 567 passageiros embarcados, por avião, no decorrer do último sábado, dia 10 de Novembro e eventualmente devolver aos passageiros o valor recebido, correspondente ao valor atribuído à viagem deste cruzeiro.
As reparações efectuadas a bordo ficaram concluídas pelas dezanove horas, também no sábado, todavia já sem a urgência do cumprimento dos horários e porque se revelou fundamental ter o motor a funcionar durante várias horas. Confirmadas as necessárias condições de manobra e navegabilidade, saiu de Leixões pelas 11 horas da manhã de Domingo, para cumprir uma viagem até o estaleiro em Bremerhaven, na Alemanha, onde vai completar a reparação e oficializar a documentação obrigatória, que lhe vai assegurar a continuidade de operação no mercado de cruzeiros.

sábado, 10 de novembro de 2012

História trágico-marítima


O encalhe e afundamento do iate “Três Amigos”

Imagem sem correspondência ao texto

Na sequência do anúncio de diversos naufrágios relatados no blog, é oportunidade para dar a conhecer um dos casos mais interessantes e curiosos, ocorridos na barra do rio Douro. Teve lugar do dia 26 de Fevereiro de 1877 e lembra personalidades ílhavenses, tais como os mestres José Ançã, outrora mestre e proprietário deste iate e ainda o capitão João Pereira Ramalheira (sénior), cujo percurso de vida ligado ao mar foi absolutamente brilhante, e cuja condição de excelência foi depois continuada pelos seus descendentes mais próximos.
Este é pois mais um naufrágio de uma longa, quase interminável, lista de ocorrências na barra do Douro, cujo desfecho por inesperado merece ser conhecido e divulgado. Para o efeito recorro ao leque de notícias publicadas na época, que explicam por si o evoluir da história, que desta vez por ser caso raro, teve um final feliz.
O navio da história é o iate “Três Amigos”, que imagino a exemplo de construções semelhantes, possa ter sido construído pelo reconhecido mestre José Fernandes Lapa, de Vila Nova de Gaia, muitas vezes convidado a deslocar-se a Aveiro, para ali construir excelentes navios, naquele que à época ficou conhecido por estaleiro da cidade, ou como também acontecia, em local não especificado na área da Gafanha da Nazaré.
O iate “Três Amigos”, também identificado pelas letras «H.F.M.Q.» do código internacional, estava matriculado na capitania do porto de Aveiro e media de arqueação 63,558 metros cúbicos. Eis portanto a história do seu encalhe e afundamento, com o seu quê de surpreendente, como segue:

Naufrágio
O iate “Três Amigos”, vindo a entrar a barra pelas 11 horas da manhã, bateu nas pedras denominadas “Felgueiras”, abrindo água. Pouco depois, indo para encalhar no Cabedelo, submergiu-se completamente. A tripulação foi toda salva por uma catraia.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 27 de Fevereiro de 1877)
Iate “Três Amigos”
Acerca deste navio, naufragado no dia anterior na barra do rio Douro, confirma-se que os tripulantes foram desembarcados na Foz pouco tempo depois de o navio ir a pique. O “Três Amigos” procedia de Aveiro com carregamento de sal, consignado aos senhores Marcelino & Cª. e era propriedade do sr. José Ançã, de Ílhavo.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 28 de Fevereiro de 1877)
Iate “Três Amigos”
Durante a noite passada o mar arrojou ao Cabedelo o casco do iate “Três Amigos”, que ontem pela manhã tinha ido a pique na ocasião em que entrava a barra.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 28 de Fevereiro de 1877)
Iate “Três Amigos”
Da Foz foi ontem comunicado à Associação Comercial, que foi conseguido encalhar o iate “Três Amigos”, ultimamente naufragado, sobre o Cabedelo. O navio está a prumo, havendo esperanças de lhe ser tapado o rombo, que fez na ocasião em que bateu nas pedras.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 2 de Março de 1877)
Iate “Três Amigos”
Ao cabo de muitos esforços, foi ontem de tarde finalmente possível pôr a nado o iate “Três Amigos”, que por algum tempo permaneceu encalhado no Cabedelo. Este navio, vindo há tempos a entrar a barra do rio Douro, sob o comando do mestre Ramalheira, bateu nas pedras, fez um rombo, submergindo-se em seguida. No dia seguinte, o iate apareceu ao lume de água, em virtude de ter ficado aliviado do seu carregamento, que constava de sal. Por essa ocasião foi arrastado para o Cabedelo e ontem foi trazido para dentro do rio, onde permanece ancorado.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 15 de Março de 1877)
Iate “Três Amigos”
Este barco, naufragado há dias na barra e que ante-ontem foi posto a nado, veio ontem na maré da tarde rio acima, tendo fundeado em Massarelos. Todos os trabalhos para a salvação do casco foram dirigidos pelo hábil construtor naval, o sr. José Fernandes Lapa.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 16 de Março de 1877)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


No mesmo local, o fim… para o “Silurian” e para o “Bogor”!
5ª Parte – 5/5

= Reclamações - Os naufrágios na costa do norte =
Desde longa data que a Associação Comercial do porto vem reclamando junto de todos os governos, pelo ministério da marinha, que seja estudado e seja levado a efeito o melhoramento do sistema de iluminação nas costas do norte de Portugal, argumentando, com razão, que a responsabilidade da maior parte dos naufrágios, que ali ocorrem, devem ser atribuídas às deficiências desse sistema.
Relembrando todas essas reclamações, que foram apresentadas por ocasião do naufrágio do vapor “Veronese”, o presidente da Associação, sr. António da Silva Cunha obteve do sr. ministro da marinha, em Fevereiro de 1913, a promessa formal de que, atendendo às representações da Associação Comercial sobre aquela matéria, viria brevemente no aviso “Cinco de Outubro”, às águas do norte, um oficial da armada, competente no assunto, estudar o melhoramento da instalação do farol da Luz e o local mais conveniente para a construção de um farol de grande alcance nas imediações de Esposende.
Dando-se agora os naufrágios dos vapores “Silurian” e “Bogor”, o último com perda de vidas, o sr. Presidente da Associação Comercial deu-se pressa em reclamar do ministro da marinha, o cumprimento daquela antiga promessa:
Exmo. Ministro da marinha, Lisboa
Naufragaram nas madrugadas de 13 e 14 do corrente, perdendo-se totalmente, nas praias de Angeiras e Lavra, ao norte do porto de Leixões, os vapores “Silurian” e “Bogor”, havendo neste último a lamentar a morte de 34 tripulantes, além da enorme perda material das embarcações e seus carregamentos.
Em menos de três anos naufragaram, pois, nas pedras da costa do norte, entre Leixões e Esposende, os navios de guerra “São Raphael” e “Almirante Reis”; os vapores mercantes “Métèore”, “Vidago”, “Veronese”, "Silurian” e “Bogor”; e os hiates “Oceano” e “Viajante”, devendo notar-se que alguns destes sinistros, justamente os de consequências mais graves, ocorreram de noite, no meio da mais completa escuridão.
A Associação Comercial do Porto, fundada na opinião unânime da marinha mercante que frequenta esta costa do norte, insiste em que a deficiência neste ponto do litoral português tem tido grande parte nestes acontecimentos. Em tal convicção, vem novamente pedir ao ministério da marinha o imediato cumprimento da promessa, que lhe fez há um ano, por ocasião de uma catástrofe semelhante, da construção e instalação de um farol de grande alcance nas imediações de Esposende, que substitua, com vantagem para a navegação de longo curso, a luz que ali existe e que parece não ter mais de oito milhas de penetração.
(ass.) António da Silva Cunha, Presidente 
(In jornal “Comércio do Porto”, de 15 de Dezembro de 1914)

O antigo farol de Leça, construído em 1916, substituído em 1926

= Histórico =
Deve em devido tempo ser referido, que o distinto ministro da marinha, acima referido, mandou efectivamente construir um farol na penedia da Boa Nova, a norte de Leixões, cuja construção só ficou pronta três anos depois da promessa feita à Associação Comercial do Porto. E mesmo assim, a partir de 1916 a situação não se alterou substancialmente, considerando a pouca utilidade do mesmo, por força da fraca projecção de luz, comparável apenas aos pequenos farolins portuários, levando à sua substituição em 1926, como a seguir se explica:
Em 28 de Outubro de 1902 foi nomeada uma comissão presidida pelo CMG hidrógrafo, sr. Joaquim Patrício Ferreira e que englobava o então CFR hidrógrafo, sr. Júlio Zeferino Schultz Xavier e que em relação ao farol de Leça decidia esta comissão:
«A comissão (…) julga dever dispensar-se a instalação não só do farol eléctrico indicado para Leça, cuja oportunidade foi por assim dizer atenuada, talvez mesmo anulada, com a construção do porto artificial de Leixões, especialmente depois da instalação do actual farol no seu molhe sul, mas também do farol eléctrico que o Plano Geral indicava para o promontório do Cabo de S. Vicente (…).
Esta opinião determinou que o farol de Leça só viesse a ser equacionado mais tarde, quando em 1919 o Director Geral da 4ª Divisão Geral da Secretaria de Estado da Marinha – 5ª Repartição, solicitou que fossem elaborados os planos para a construção do novo edifício do farol de Leça.
(In “Os faróis de Portugal na Revista da Armada”)
= E mais reclamações – Os naufrágios =
Com relação aos dois naufrágios que ocorreram em dias seguidos na costa do norte, do “Silurian” e do “Bogor”, o segundo bem mais horrível que o primeiro por haver perecido quase toda a tripulação desse vapor, pouco fica para acrescentar ao desenvolvimento pormenorizado das notícias publicadas. Apenas por muito tempo ficará de lembrança este horroroso acontecimento, que infelizmente faz aumentar o rol das grandes catástrofes, que a população tem vindo muito tristemente a testemunhar.
No governo civil esteve ontem o sr. cônsul de Inglaterra, sr. Honorius Grant, que foi agradecer os bons serviços prestados por ocasião do naufrágio do vapor inglês “Silurian”, elogiando a forma como eles foram organizados e agradecendo também as condolências que lhe haviam sido apresentadas por tal motivo.
Relativamente ao segundo vapor naufragado, o holandês “Bogor”, o mar tem continuado a arremessar à praia vários géneros de que se compunha a sua carga, os quais são arrecadados pela guarda-fiscal ali destacada para esse fim e enviados para a delegação da alfândega de Leixões.
O último náufrago sobrevivente deste vapor, salvo dia e meio depois de se dar o sinistro, foi ontem removido da delegação da Cruz Vermelha, a cargo dos bombeiros de Matosinhos-Leça, para o hospital da Misericórdia, porque, além de apresentar alguns ferimentos, precisa de recuperar a saúde que as muitas comoções e extenuantes lutas para a sua salvação lhe abalaram.
A expensas dos consignatários deste vapor, os srs. Orey Antunes & Cª., deve realizar-se hoje o funeral das cinco vítimas, que o mar já arrojou à praia. Entretanto o sr. Mendes Guimarães, presidente da Associação Comercial dos Lojistas do Porto, enviou ontem ao sr. ministro da marinha, o seguinte telegrama:
«Os recentes naufrágios dos vapores “Silurian” e “Bogor”, sucedidos nas madrugadas de 12 e 13, na costa marítima compreendida entre Leixões e Esposende, justamente chamada “costa negra”, exige dos organismos oficiais imediatas providências. Um farol de luz intensa em local apropriado e escolhido por elementos marítimos evitaria a repetição de catástrofes, que nos enchem de consternação e em nada abonam a navegabilidade do nosso litoral, para norte de Leixões. As vossas providências são por esse motivo ansiosamente esperadas pela nossa Associação, em nome da qual me dirijo a Vossa Excelência.
(In jornal “Comércio do Porto”, de 16 de Dezembro de 1914)

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


O fim no mesmo local… para o “Silurian” e para o “Bogor”
4ª Parte – 4/5

Reportagem sobre o naufrágio do vapor “Bogor”
Fotos de A. Martins, publicados na
Ilustração Portuguesa Nº 461 de 21 de Dezembro de 1914

= Os salvados e o fisco =
A todo o comprimento da praia da «Agudela», encontravam-se dispersos pelo areal os salvados da carga, que o mar arrojava para terra e que alguns pescadores amontoavam em vários pontos sob a vigilância da guarda-fiscal. Simultaneamente, também vinham parar à praia muitos destroços do “Bogor”, que eram, na maioria, madeiramentos e alguns aprestos de bordo. Entre os salvados da carga encontravam-se bobinas e fardos de papel, caixas com queijo, fardos de lúpulo e de cevada germinada, caixas com batatas em grande quantidade, fardos de tabaco em folha, latas de soda caustica, instrumentos de música e muitos outros volumes com diversos tipos de mercadoria.
A guarda-fiscal e os empregados da delegação aduaneira faziam transportar tudo, pouco a pouco, em carros de bois, para umas caves de pescadores, que para tal efeito a alfândega alugou por alguns dias. A maior parte dos salvados estava avariada pela água, tais como o papel, os instrumentos de música, o tabaco e outros artigos cuja embalagem era mais susceptível de danificar-se.
= Ocorrências =
Os grandes sinistros compungem sempre e sempre despertam a curiosidade. Assim, já ontem acorreu muitíssima gente ao local donde apenas se via, dividido e em parte, o vapor “Bogor”, que em malfadada hora mudou a sua carreira. Os três náufragos sobreviventes já referidos e que ficaram hospedados no Hotel Ariz, em Leça da Palmeira, dirigiram-se ontem ao cemitério de Perafita, a fim de reconhecer a identidade dos companheiros que o mar arrojou à praia, depois de lhes haver roubado a vida. Nesse cemitério deram-se por essa ocasião algumas cenas impressionantes de tristeza. Para recolher os despojos que o mar fosse arremessando à praia, ficaram ali de serviço alguns guardas-fiscais.
= Salvo! =
Mais de 36 horas volvidas sobre a horrorosa catástrofe, quando apenas se pensava na praia do «Marreco», em recolher os destroços que o mar trouxesse, eis que às pessoas que ali se encontravam pareceu ouvirem gritos aflitivos com pedidos de socorro, vindos dos restos do navio naufragado. Consultaram-se para perder a ilusão de que o rumor do mar os enganava; mas era certo. Todos ouviam, todos estavam certos de que alguém solicitava auxílio desesperadamente, já pouco antes do anoitecer.
Um guarda-fiscal correu à estação dos bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça, comunicando aí que dentro do “Bogor” estava gente gritando. Acto contínuo saíram o material dos bombeiros e a ambulância da Cruz Vermelha a cargo daquela corporação. Entretanto, em terra eram feitos sinais ao infeliz que pedia socorro, então já visível, para que se atirasse à água munido de uma bóia  o que parece ter sido entendido e executado. Uma vez na água, foi-lhe lançada uma corda para efectuar o seu salvamento, mas o homem não teve força para a segurar. Então, o sr. José Gonçalves, empregado da casa Orey Antunes & Cª., lançou-se ao mar e conseguiu salvá-lo, trazendo-o para terra, onde chegou inanimado.
Pressurosamente socorrido pelo sr. dr. Farinhote, reanimou-se, sendo depois levado para a estação dos bombeiros, dando entrada na dependência da Cruz Vermelha. Ali contou o desventurado chamar-se Hendrik Benders, natural de Roterdão, fazendo parte da marinhagem do vapor naufragado. Disse que estava na messe da proa quando se deu o sinistro, que lhes fechou a porta, a ele e a mais dois companheiros, mais desventurados ainda, porque perderam a vida ao cabo de um esforço titânico em procura de salvação. Ele conseguiu exausto e já sem esperança, arrombar uma das vigias e sair daquela prisão, onde a morte o espreitou, segundo a segundo, durante as muitas e longas horas que lá passou. Depois de grande tortura foi, enfim, salvo!
= Notas diversas =
Logo que o mar começou a arrojar à praia os primeiros destroços e antes de ter sido estabelecido o serviço completo de vigilância por parte da guarda-fiscal, algumas mulheres e pescadores do local apanharam bastantes madeiramentos e caixas vazias, que arrastavam para os lares, onde iam servir de excelente combustível, na quadra invernosa e de tanta privação daquela pobre gente. No local do sinistro compareceram o capitão do porto, senhor Capitão-tenente Nunes de Sousa, de Leixões; os srs. Presidente da câmara municipal e administrador do concelho de Matosinhos e várias outras entidades. O cônsul da Holanda no Porto, sr. Herman Burmester também esteve no local, visitando depois os sobreviventes e indo ver o ferido ao hospital, interessando-se pelo bem-estar de todos.
Na praia da «Agudela» esteve um piquete de infantaria da guarda nacional republicana, ido de Matosinhos, que retirou logo que foi estabelecido o serviço montado pela guarda-fiscal.
(In jornal "Comércio do Porto", de 15 de Dezembro de 1914)
= Características do navio =
O “Bogor” era um vapor de nacionalidade holandesa, que pertenceu à empresa Rotterdamsche Lloyd, de Roterdão, também designada por Mala Real Holandesa. Havia sido construído no estaleiro Blohm & Voss, de Hamburgo, na Alemanha, em 1898. Tinha de arqueação 3.620 toneladas de registo bruto, 100,60 metros de comprimento entre perpendiculares, 13,60 metros de boca e 8,66 metros de pontal. A propulsão estava a cargo de um motor de tripla expansão, da responsabilidade do construtor, com 3 cilindros e 275 nhp’s, que assegurava uma velocidade na ordem das 10 milhas por hora. O vapor navegava habitualmente com uma equipagem composta por 38 tripulantes.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


O fim no mesmo local… para o “Silurian” e para o “Bogor”
3ª Parte – 3/5

Foto do vapor "Bogor", eventualmente num porto holandês
Imagem publicada no sítio "Wrecksite", por Nico Vleggeert

No dia 13 de Dezembro de 1914, ocorreu novo sinistro, quando as pessoas ainda comentavam os pormenores relativos ao encalhe do vapor “Silurian”, naufragado em Angeiras, e já no mar, um pouco aquém daquela praia, se tinha desenrolado na manhã de Domingo um outro drama, mais horroroso, porque além da perda de um vapor mercante, regista-se a morte de 33 dos seus tripulantes.
O navio deu à costa em condições semelhantes ao vapor “Silurian”, de madrugada, mas num ponto, onde a praia é vedada do povoado por enormes taludes de areia. Assim, o “Bogor”, devendo ter batido nos rochedos cerca das 2 horas e meia da madrugada, de terra ninguém deu por tal desgraça e sem dúvida os infelizes tripulantes não conseguiram fazer-se ouvir, num mais que provável pedido de socorro.
= À procura de informações =
Saídos da estrada principal, entramos num caminho estreito e tortuoso, cheio de lama e covas, que na freguesia de Perafita nos levou até à beira-mar, à praia da Agudela; mas com muita dificuldade, porque lá, ao fim, o caminho estava atravancado de carroças e automóveis, que se viam em sérios apuros para os que retiravam poderem dar lugar aos que chegavam. A solução foi caminhar, na ânsia de obter informações, tendo a favor o facto de não estar a chover, se bem que um vento agreste vindo dum mar inquieto, incomodava toda a gente.
= No local da catástrofe =
Pelo que foi apreciado durante o trajecto, não foi surpresa ver a praia coalhada de gente, e um movimento enorme de soldados da guarda-fiscal, acompanhando comboios de seis e oito carros de bois a transportar variados fardos e caixas, já salvados do “Bogor”, que o mar revolto arrojava à praia. Virados para o mar encapelado e arrogante, parecendo querer tragar tudo, na praia do «Marreco», encontramos à esquerda a praia de Pampolide, onde se ergue altiva a memória consagrada aos bravos liberais, que ali desembarcaram com D. Pedro IV, e à direita a praia da «Agudela», onde se dera o desastre. Um formigueiro enorme de gente mexia-se pelo extenso areal, fora da zona tomada pela guarda-fiscal, que ali estabeleceu uma secção sob o comando de um subalterno e com a direcção do chefe da delegação aduaneira de Leixões, sr. Marques da Costa.
= O alarme do desastre =
O “Bogor”, da Mala Real Holandesa, pertencia à praça de Roterdão, de onde saiu a 2 do corrente, sendo esta a primeira viagem que fazia a Leixões, porque, tendo sido construído em Hamburgo em 1898, fez desde então e até agora viagens para a Índia Holandesa. Era um navio de 3.600 toneladas e tinha uma tripulação composta por 38 homens, incluindo o capitão de nome Lutter. Vinha para Leixões consignado aos agentes srs. Orey Antunes & Cª., carregado com vários géneros. O navio depois de receber carga em Leixões, devia seguir para Lisboa, com destino ao Brasil.
Há um homem, trabalhador de lavoura, de Perafita, que disse ter ouvido depois da uma hora da madrugada os toques repetidos da sirene de um vapor, mas que de sua casa nada vira para o mar e como estava muito temporal não saíra. Perto das cinco horas da madrugada é que o criado de lavoura Joaquim Moreira, ao sair para os seus serviços deu com o vapor encalhado, batendo violentamente sobre as pedras denominadas «Mó». Foi a correr a casa do seu patrão, o lavrador sr. Paulino Dias de Oliveira, do lugar de Pampolide, comunicar o que havia visto e no caminho disse-o também ao soldado José Maria, da guarda-fiscal, e daí o alarme em todas as poucas casas da beira-mar e a vinda de um soldado da guarda-fiscal, montado numa bicicleta, a Matosinhos e a Leixões, a dar conta do sinistro e a reclamar socorros.
Entretanto na praia da «Agudela», o drama desenrolava-se pavorosamente. Logo afluíram ali àquela hora, ainda noite fechada e temporal desfeito, muitíssimos populares. O navio, que era grande e todo de ferro, desmantelava-se e soçobrava entre as pedras e a tripulação numa situação angustiosa, louca de pavor, em vão pedia socorro, que de terra não se lhe podia dar. Parece que a essa hora já não estava toda a gente a bordo, ou porque os vagalhões enormes os varreu da coberta, ou porque no auge do desespero se atiraram ao mar em busca de salvamento.
Garantidamente, só quando a luz do dia começava a rasgar a profunda escuridão de uma noite de tormenta implacável, veio à praia um náufrago que conseguira a nado vir a terra. Grande alvoroço entre as pessoas que ali se encontravam e todos, qual deles o mais solicito, corriam ao mar a lançar-lhe mão amiga e protectora para evitar que a ressaca o envolvesse e o arrastasse de novo para o perigo, ceifando uma vida que estava quase salva. Foi logo levado para uma casa distante, onde lhe providenciaram os socorros necessários.
E foi nessa altura que se começou a ver bem o vapor “Bogor” e se verificou que ele estava completamente perdido. Caindo o casco nas referidas pedras da «Mó», partiu em dois pontos, estando, portanto, dividido em três partes, vendo-se a meia-nau a baixar sensivelmente, até que duas horas depois mergulhava adernado para estibordo, isto é, para o lado do mar, para onde tombavam e se escondiam no seio das águas a chaminé, a ponte e o mastro grande, ficando apenas com o topo à vista. Da proa, virada ao norte sobre as rochas via-se uma grande parte do navio, bem como da ré, torcida para terra e bastante desmantelada. Na praia o povo aguardava com ansiedade a chega de algum sobrevivente, que porventura pudesse vencer a fúria das vagas a alcançar a terra.
= Os socorros – Quatro tripulantes salvos =
Já próximo ao final do dia, reúnem-se no local cada vez mais curiosos, continuando o mar, sempre embravecido, a arrastar para a praia cinco cadáveres, alguns deles num estado deplorável, por terem andado aos baldões por entre a penedia da beira-mar. À medida que apareciam eram removidos para o cemitério de Perafita, onde ficaram depositados.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


O fim no mesmo local… para o “Silurian” e para o “Bogor”
2ª Parte - 2/5

Reportagem do naufrágio do "Silurian"
Ilustração Portuguesa Nº 461 de 21 de Dezembro de 1914

= Os náufragos – Retirada para Leixões =
Espalhados pelos diversos postos da Cruz Vermelha, de Matosinhos e do Porto, que foram instalados em Angeiras, os náufragos encontraram ali todos os socorros necessários. Mudados de roupas ou cobertos por mantas de lã, arranjadas localmente, logo foram reconfortados e um deles, Joseph Bonniel, recebeu curativo, por, na ocasião do salvamento, ter-se ferido ligeiramente na face e nos pulsos. Prestados estes socorros, os náufragos vieram de Angeiras para o Posto de Desinfecção de Leixões, em diversos automóveis particulares, que se prestaram a esse serviço. Todos eles estavam bem-dispostos, precisando, porém, de agasalho e alimentação. Em Leixões eram esperados pelo pessoal do porto e pelo médico dr. Mancelos.
Já passava das 5 horas quando os últimos náufragos, incluindo o capitão John Jawes, que foi o ultimo a abandonar o vapor, chegaram a Leixões. Este veio num automóvel acompanhado dos srs. Honorius Grant, Alfredo Coutinho, empregado da casa Jervell & Knudsen, em nome do consignatário do vapor, e Alberto Botelho. O sr. Cônsul inglês no Porto ordenou que ao capitão e tripulantes fossem fornecidas comidas e tudo o que fosse preciso, encarregando o fornecimento ao Hotel Ariz.
= Notas diversas =
O vapor “Silurian”, de 475 toneladas de registo, vinha de Cardiff, com dez dias de viagem, consignado à firma Jervell & Knudsen, trazendo 9oo toneladas de carvão para os caminhos-de-ferro do Estado. Parece estar averiguado que o vendaval desviou o vapor do seu rumo, vindo muito à terra impelido pelas vagas, dando lugar ao sinistro. No posto fiscal de Angeiras ficaram depositados os dois foguetes, que a tripulação lançou para terra a dar sinal do naufrágio. Alguns tripulantes trouxeram para terra papéis da escrituração de bordo.
Num dos postos da Cruz Vermelha recebeu também curativo Manuel Caetano Nora, tripulante do salva-vidas, por estar ferido no rosto. Em Angeiras estiveram presentes os srs. presidente da comissão executiva da câmara e administrador do concelho de Matosinhos, e o sr. Marques da Costa, chefe da delegação aduaneira.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 13, Dezembro de 1914)
= O naufrágio de sábado do vapor “Silurian” – Os náufragos =
No Domingo foram muitas as pessoas que se deslocaram à praia de Angeiras para ver o vapor “Silurian”, ali naufragado, que, tão continuamente batido pelas vagas, nas pedras do «Travesso», já está bastante destroçado, tendo vindo alguns utensílios de bordo parar à praia.
Os tripulantes deste navio, que se salvaram todos, vieram ante-ontem de Leixões para o Porto. O capitão e mais cinco oficiais foram para o Hotel Francfort, onze marinheiros ficaram hospedados no Hotel Malhão e um outro, Joseph Bonniel, de 26 anos, natural de Malta, ficou internado no hospital da Misericórdia, onde ficou em tratamento, por estar ferido nas mãos e na cabeça.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 15 de Dezembro de 1914)
= Características do navio =
O “Silurian” era um vapor de nacionalidade inglesa, que pertenceu à empresa Williams Owen & Watkins & Co., de Cardiff, cuja designação comercial era «Golden Cross Line Ltd.». Havia sido construído por Craggs, Robert & Sons., Ltd., em Middlesbrough, durante o ano de 1898. Tinha de arqueação 940 toneladas de registo bruto, 67,10 metros de comprimento entre perpendiculares e 9,90 metros de boca. A propulsão estava a cargo de um motor de tripla expansão, construído por MacColl, Pollock & Co., de Sunderland, que assegurava uma velocidade na ordem das 10 milhas por hora. O vapor navegava habitualmente com uma equipagem composta por 17 tripulantes.

domingo, 21 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


O fim no mesmo local… para o “Silurian” e para o “Bogor”!
= 1ª Parte – 1/5 =

Foto do vapor "Silurian", eventualmente num porto inglês
Imagem publicada no sítio "Wrecksite", por Tony Allen

A 12 de Dezembro de 1914, às quatro horas e meia da madrugada, foi exactamente quando chegaram à praia de Angeiras os primeiros socorros, dos bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça. Àquela hora já se viam ali algumas pessoas do local e mais se juntaram, alarmadas pela passagem dos carros de material. Depois compareceu o Capitão do porto, sr. Capitão-tenente Adelino Nunes de Souza, também com pessoal e material de socorros de Leixões. Com o pessoal da Cruz Vermelha de Leixões e do Porto, compareceram os srs. Drs. Domingos Gonçalves de Azevedo, Ricardo Bartol, Queiroz de Magalhães, Mário de Castro (filho), Carteado Mena e outros.
Foram instalados postos de socorro em barraca de banhos, no posto fiscal e numas casas da praia. Os bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça instalaram-se com a máxima prontidão, levantando um tripé com pinheiros, para o cabo de vai-vem, e um semáforo para fazer sinais para bordo. Pouco passava das cinco horas quando os voluntários de Matosinhos-Leça lançaram o primeiro foguetão, que não foi feliz, indo a linha cair a distância considerável, devido à ventania que lhe mudou a direcção. Seguiram-se outros dos voluntários de Matosinhos-Leça e do Porto, todos sem resultado. Entretanto, o dia foi rompendo, e quando estava bem claro, já o pessoal das diversas corporações havia aumentado, redobrando a faina dos trabalhos para salvamento dos náufragos.
= Sinais entre gente de bordo e de terra =
Os bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça, com o semáforo instalado na praia, através dos sinaleiros, o 2º. sargento Ivo, da Escola de Marinheiros e o bombeiro auxiliar Viriato Arantes, começaram a comunicar com o navio, tendo por intérprete o cônsul inglês no Porto, sr. Honorius Grant, que com toda a solicitude se apresentou no local do sinistro. À pergunta sobre quantos homens se encontravam a bordo, responderam serem dezassete. E a esta seguiram-se outras perguntas e respostas, pelas quais se soube da não existência de feridos, ficando a aguardar os socorros da embarcação salva-vidas, que de terra foi dito estar a chegar.
= No local do sinistro – a chegada do salva-vidas =
Logo que houve conhecimento do naufrágio, e informados ao certo do local, para lá se deslocou o valente Cabo-de-mar José Rabumba, o «Aveiro», com o seu pessoal e o barco salva-vidas “Leixões”, montado numa carreta, tirada por três juntas de bois. Disse-nos o «Aveiro», que tendo saído para o mar no barco salva-vidas, rebocado pelo “Tritão”, tivera de retroceder, porque o mar era muitíssimo e não pudera vencer a derrota empreendida. No local continuava um movimento enorme de marítimos e bombeiros, o pessoal da Cruz Vermelha, os sinaleiros e até a posição do vapor naufragado, parecia ser idêntica à do vapor “Veronese”. Os soldados da Guarda-Fiscal e da Guarda-Republicana, idos de Matosinhos, a custo continham o povo à distância, deixando campo livre para os trabalhos de salvamento.
A esse tempo os bombeiros de Matosinhos-Leça lançaram um foguete, mas caiu a pouca distância da popa do vapor; logo a seguir lançaram outro, também infeliz, porque a linha partiu. Os bombeiros voluntários do Porto lançaram mais um foguete que foi certeiro, caindo na popa, onde os náufragos logo o agarraram; mas quando algum tempo depois os bombeiros passavam os cabos vai-vem para bordo, a linha partiu e todos os fatigantes trabalhos revelaram-se sem sucesso, tal como os anteriores. A maior parte das linhas dos foguetes partiam-se ao roçar nas arestas agudas dos rochedos da praia e por serem fortemente puxadas pelas vagas.
Se a bordo havia desespero por parte dos pobres náufragos, que ansiavam por salvamento, em terra não era menor a ânsia por parte daqueles que muito denodadamente e cheios de abnegação empregavam todos os esforços para os arrancar daquela situação desesperada. Já se tinham passado bastantes horas de trabalho fatigante e nada se conseguia. Chegava a comover dolorosamente o quadro que se apresentava e em que tudo, num só sentir, pensava em arrancar à morte os dezassete náufragos que se encontravam na coberta do vapor onde, a espaços, caiam pesadas massas de água.
Foi por esta altura que chegou à praia o barco salva-vidas “Leixões”, que no meio dum vivo alvoroço, de visível satisfação, passou por entre o povo que ali se aglomerava e foi pelo areal até à beira-mar onde, sob a direcção do seu patrão, o Cabo-de-mar José Rabumba, o «Aveiro», foi lançado à água. Todos confiavam no «Aveiro», todos previam bom êxito da valentia dos tripulantes do salva-vidas. Vinte minutos depois da chegada, viu-se o barco “Leixões” a baloiçar no mar, sempre agitado, temeroso, a caminho do “Silurian”.
= A abordagem – todos salvos! =
Suspenderam-se em terra os trabalhos de lançamento de foguetes e toda a gente, sob uma comoção imensa, tinha a sua atenção presa no que naquele momento de angústia se passava no mar. Sem o menor apego à vida, os tripulantes do “Leixões” venciam as vagas indomáveis e seguiam corajosamente avante, desviando-se do perigo dos rochedos e aproximando-se do navio naufragado, a bordo do qual se notou um movimento palpitante, convergindo todos os náufragos para a popa, preparando um cabo.
Eram duas horas e meia da tarde quando o salva-vidas se abeirou do vapor e recebia o cabo, estabelecendo-se rápido o vai-vem, apesar da fúria das vagas parecer prejudicar a todo o momento o sacrifício daquela abnegação. Em terra houve em toda aquela massa de povo um gesto de satisfação, de supremo contentamento intimo, por ver iniciados o salvamento das vidas.
Dentro em pouco o salva-vidas “Leixões” atracava à praia, desembarcando nove homens, encharcados, tremendo de frio e, talvez, de fome, que os membros da Cruz Vermelha e os bombeiros transportavam para os postos da corporação, onde lhes providenciaram todos os socorros. Entretanto, os tripulantes do salva-vidas, sempre sob o mesmo risco e com impagável altruísmo, retiravam os restantes náufragos, que a breve trecho vinham trazer a terra, deixando só, batido pelas vagas o vapor “Silurian”, já partido a meia-nau, com a proa com tendência a mergulhar.
Quando o salva-vidas desembarcou os últimos náufragos, o povo saudou os denodados salvadores, que, às 3 horas da tarde, se ufanavam do seu feito de reconhecida bravura. O «Aveiro» foi abraçado e felicitado por muitíssimas pessoas; mas ele, mais apegado aos seus deveres, pedia dispensa e tratou, com os seus homens, de montar o seu querido barco na carreta e, dentro em pouco, voltava a Leixões, para o seu posto. O «Aveiro» teve por tripulantes do seu barco os seguintes bravos lutadores, da sua inteira confiança: Manuel e José Caetano Nora, Alberto e Joaquim Martins Jacob, José e António Ferreira Nunes Arruela, Adelino Pinto dos Santos, António de Oliveira Brandão, José Pinto, Amadeu José, Inocêncio Pinto Soares e José Rodrigues Crista.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Histórias de vida


Almirante Gago Coutinho

Os notáveis vivem, quase sempre, amarrados à recordação da sua vida, relembrando os momentos passados com serenidade profunda e, simultaneamente, nunca esquecendo os acontecimentos emotivos, que lhes galvanizaram os nervos, lhes retemperaram a alma e lhes proporcionaram o ensejo para erguerem o nome às culminâncias da celebridade, quando, em arrancadas de apoteose, honraram com os seus feitos a Pátria que os viu nascer.

Fotografia publicada na Ilustração Portuguesa, em 1907

Assim se pode classificar a vida de um dos mais ilustres portugueses – o Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho -, marinheiro, navegador, historiador, matemático e cientista, cuja carreira, desde os tempos de guarda-marinha e geógrafo  responsável pela direcção dos trabalhos de levantamento topográfico nas ex-colónias, companheiro de Sacadura Cabral, no voo do “Lusitânia”, que ligou Lisboa ao Rio de Janeiro, com um contratempo de permeio, mas com uma aterragem feliz na baía de Guanabara.
Se é verdade que a vida lhe proporcionou viajar nos melhores transatlânticos, nos melhores aviões da época e ter evocado Cabral, repetindo-lhe a derrota em viagem desde Santos, no Brasil, até Lisboa, a bordo da barca “Foz do Douro”, que teve início em finais de 1943, também é verdade ter suportado grandes privações, tal é o caso pouco conhecido da viagem ao Brasil, a bordo da corveta “Mindelo”, da Marinha Portuguesa, resultando ser um dos seus sobreviventes.

Foto da canhoneira "Mindelo", da Marinha Portuguesa
Imagem previamente publicada no blog «Restos de Colecção»

Aconteceu em 1893, quando Gago Coutinho era 2º Tenente da Armada. Saiu do rio Tejo, a bordo da corveta “Mindelo”, uma unidade da marinha que navegava mais à vela do que a vapor. No final do período áureo da navegação a pano, Gago Coutinho fez-se acompanhar por um quadro a óleo, que colocou numa parede do seu camarote, com a imagem de um iate a transpor a barra do Mondego, tendo na curva do rio, à distância, o edifício da Universidade de Coimbra.
Nos dias que se seguiram após o navio ter fundeado na baía de Guanabara, dá-se uma revolta na Armada Brasileira. Entretanto, a bordo da “Mindelo”, parte da guarnição morre vitimada por um surto de febre-amarela, que assolou o Rio de Janeiro. Dos seis oficiais internados no Hospital de Beneficência Portuguesa, apenas dois escaparam com vida: os 2ºs. Tenentes Metzener e Gago Coutinho. Face à inesperada circunstância, foi demorada a estadia do navio, todavia como a recuperação dos tripulantes hospitalizados se prolongou mais do que o previsto, a “Mindelo” regressou a Portugal com uma tripulação reduzida, destacando-se a presença a bordo de apenas dois oficiais: o Comandante Castilho e o Tenente Machado Santos, tendo ficado sepultados no cemitério do Caju, entre outros, quatro oficiais e dez marinheiros.
Com Gago Coutinho ainda hospitalizado, a sua bagagem ficou esquecida a bordo, quando a “Mindelo” se fez ao mar, pelo que a partir de então só podia dispor da roupa que trazia no corpo, ficando obrigado a viver tristemente na antiga capital federal brasileira. A cidade não conhecia ainda o martelo reformador de Pereira de Passos. O mar batia em cheio nas casas da rua de Santa Luzia. As ruas encontravam-se sujas e sinuosas. Mas havia teatros que despertavam interesse e davam animação, entretendo-se o marinheiro português a apreciar, ainda convalescente, a alguns espectáculos. Sem melhores alternativas, almoçava e jantava no hospital. Não tinha recursos, por isso acompanhava as notícias todas as manhãs através da leitura dos jornais, que ia conseguindo por empréstimo.

Foto do vapor "La Plata" da Messageries Maritimes
Imagem da Photoship.Uk
Trata-se por exclusão de partes, do vapor referido no texto

Assistiu, depois de receber um abono provisório de setenta mil réis, feito pelo cônsul português, ao decorrer do movimento revolucionário brasileiro. E preparava-se igualmente para assistir às grandes festas comemorativas do descobrimento do Brasil, quando surge a oportunidade para viajar no navio misto “La Plata”, que se aprontava para viajar para a Europa. Embarcado como passageiro, com bilhete pago pelo consulado, desembarcou no Tejo, depois de penosa viagem, que durou cerca de 23 dias, trajando à civil, sendo esperado à chegada por seu pai e pela Dª Maria Augusta – governanta dedicada que o criara como se fosse seu filho. Esta terá sido uma das viagens que mais o impressionou, comentou anos mais tarde, quando se encontrava já reformado.
Deste relato se conclui a existência de bons e maus momentos, recriados a partir de episódios vividos por uma das personalidades mais interessantes do país, cujo vínculo ao mar, foi durante séculos o exaltar e sentir da alma nacional. E como facilmente se depreende, muitos outros nomes ligados ao mar, tal como Gago Coutinho, são e estarão sentenciados a perpetuar para sempre, com brilhantismo, na história marítima portuguesa.